Quando estou trabalhando em um processo penal e me deparo com a testemunha de ouvir dizer ou às famigerada denúncias anônimas sempre me lembro de uma brincadeira de infância chamada de “telefone sem fio”.


Assim como na brincadeira, também no processo penal em quase sua totalidade de vezes o “telefone sem fio” não apresenta a versão original da informação, sofrendo distorções quando é transmitida de uma pessoa para outra.

Nesta toada, como bem escreve Evinis Talon, é muito comum presenciarmos “arcabouços probatórios” que se resumem a testemunhas que não presenciaram o cometimento da infração penal, mas apenas ouviram dizer sobre o fato. Trata-se da “hearsay testimony” (testemunha do “ouvi dizer”).

São testemunhas que, de forma indireta, relatam aquilo que ouviram de um terceiro em forma de conversa privada – e não compromissada – ou boatos.

Há um risco enorme na valorização desses testemunhos.

A testemunha do “ouvi dizer” relata o que um outro indivíduo, não compromissado com a verdade, falou. Portanto, se a testemunha “A” afirma que “B” falou que “C” é o autor do crime, caso “A” esteja dizendo a verdade, por ter prestado o compromisso em juízo, não necessariamente a afirmação de “B” será verdadeira.

"A" está apenas dizendo que “B” disse algo, não significando que aquilo que “B” afirmou seja verdade, principalmente porque este, quando fez as afirmações sobre o fato, estava em um ambiente informal, sem compromisso e, principalmente, sem a possibilidade de cometer o crime de falso testemunho.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já tem entendimento consolidado que a testemunha de “ouvir dizer” e/ou que a denúncia anônima não servem para condenação, a citar (exemplificativamente):

STJ; AgRg no HC 668.407/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 19/10/2021, DJe 27/10/2021

STJ; HC 106.550/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/11/2008, DJe 23/03/2009

Nesta seara, para além da impossibilidade de subsidiar uma acusação, entendo que o “telefone sem fio” não serve nem para fundamentar o recebimento da denúncia.

José Corsino Peixoto Neto

Advogado Criminalista

OAB/PB n. 12.963

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